A
mioglobina e a hemoglobina são as proteínas carreadoras de oxigênio nos
humanos. A mioglobina facilita o transporte do gás nos músculos e serve como
reserva do O2 . Já a hemoglobina carreia o oxigênio nas hemácias,
células presentes na corrente sangüínea.
A hemoglobina consiste de quatro
cadeias polipeptídicas, duas cadeias alfa e duas cadeias beta, cada uma com um
agrupamento heme. O oxigênio reage com o íon ferroso do heme que se oxida para
a forma férrica. Cada hemoglobina, portanto, pode transportar até quatro
moléculas de O 2 ao mesmo tempo, quando esse espaço não for ocupado
por dióxido de carbono. O acoplamento do oxigênio na hemoglobina é regulado por
interações alostéricas na proteína, que podem aumentar ou diminuir a afinidade
pelo gás de acordo com o número de moléculas acopladas na proteína, a presença
de CO2 e H+ ou a concentração de 2,3-bisfosfoglicerato (que a
reduz).
A anemia falciforme é uma desordem
onde metade das hemácias do indivíduo possui um aspecto de foice, que resulta
numa alta taxa de desintegração destas, provocando uma anemia aguda. Ela foi
descoberta em 1904 por um médico americano, ao atender um estudante negro que
apresentava fraquezas e dores de cabeça. Ao examinar uma amostra de sangue do
paciente, ele percebeu que o número de células vermelhas estava diminuído pela
metade, e que havia uma grande quantidade de corpúsculos finos, alongados e em
forma de foice. No passado, ela normalmente era uma doença fatal, onde os
afetados morriam antes dos trinta anos. A morte ocorria devido a infecções,
insuficiência renal, insuficiência cardíaca e trombose. As hemácias
falciformes, além de serem hemolizadas mais rapidamente, entopem pequenos vasos
sangüíneos, impedindo a circulação e provocando danos a vários órgãos.
-Transmissão
Essa
doença é transmitida geneticamente. Pessoas afetadas são homozigóticas para um
gene anormal localizado em um cromossomo autossomal. Se for recebido um gene
normal e um gene anormal de outro pai, o indivíduo é denominado portador da
anemia falciforme. Heterozigotos não apresentam sintomas da doença. Somente 1%
das suas hemácias é falciforme, onde nos homozigotos esse número chega a 50%.
Ela é uma doença genética recessiva
O gene anormal foi formado devido a
uma mutação do tipo transversão. Um nucleotídeo adenina foi substituído por uma
timina na região beta 6 da hemoglobina S ( o nome da hemoglobina normal é
hemoglobina A ). O resultado disso foi a substituição de um glutamato por uma
valina na posição 6 das duas cadeias beta da hemoglobina S. Isso não afeta a
afinidade por oxigênio ou as propriedades alostéricas, mas reduz drasticamente
a solubilidade da desoxi-hemoglobina. A razão disso é que a valina na cadeia da
hemoglobina S reage com uma região complementar de outra hemoglobina. A área
complementar só é exposta na forma desoxigenada. Essa interação provoca uma
precipitação fibrosa das hemoglobinas, deformando as hemácias e proporcionando
um aspecto falciforme.
-Evidências
Evolutivas
A freqüência da doença é maior entre
os negros, atingindo 4 em cada 1000 indivíduos. Em certas regiões da África, a
presença do gene pode chegar a 40% da população negra. Isso é devido a vantagem
que um heterozigoto tem em relação ao não portador. O heterozigoto possui uma
boa proteção contra a forma mais letal da malária, por causa da rapidez em que
ele degrada os eritrócitos infectados. Em regiões assoladas pela malária, um
heterozigoto tem uma eficiência reprodutiva 15% superior a uma pessoa com
hemoglobina normal. De fato, os lugares mais afetados pela malária são também
onde se encontrará uma maior presença do gene anormal. Isso se deve a seleção
natural, onde o homozigoto recessivo
morria e
o heterozigoto, por ter uma vantagem, sobrevivia, promovendo a continuidade na
propagação do gene anormal.
-Exame pré-natal
A doença pode ser detectada fazendo
um exame pré-natal, utilizando qualquer tipo de célula fetal. O exame é feito
utilizando uma enzima de restrição chamada de endonuclease MstII. Essa enzima
cliva o DNA numa região especifica, produzindo a fragmentação deste. O tamanho
do fragmento normal é de 1,1kb, e o fragmento anormal é de 1,3kb. Depois,
utilizando eletroforese em gel e " Southern-Blotting " é possível
detectar e diferenciar os dois fragmentos.
-Importância
Análises de mutações que afetam o
transporte de oxigênio tiveram um grande impacto na genética, medicina e
biologia molecular, como:
-Fonte de
informação sobre a estrutura e função da hemoglobina, indicando as regiões
críticas e indispensáveis para o funcionamento da proteína.
-A
descoberta de mutações da hemoglobina revelou que uma doença pode ocorrer
devido a uma troca de um aminoácido numa cadeia polipeptídica, ocasionada por
uma substituição de um nucleotídeo por outro. O conceito de doença molecular,
que agora é parte integrante da medicina, nasceu com os estudos sobre a anemia
falciforme.
-A
ocorrência de hemoglobinas mutantes aprimorou nosso entendimento sobre os
processos evolutivos. A matéria prima das evoluções são as mutações; o estudo
sobre a anemia falciforme mostrou que a mutação pode ser benéfica e maléfica.
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